Se
tivessem ouvido e adotado os cabeludos há mais tempo o
planeta ainda poderia ser salvo.
CONVERSÕES
texto de Luís
Fernando Veríssimo sobre a crise ambiental, publicado em 1º
de fevereiro em vários jornais
Desta vez, falou-se mais em aquecimento global e outras questões
ambientais em Davos do que no Fórum Social. Aquela risível
obsessão de eco-chatos e cabeludos ingênuos atrás de uma
causa transformou-se no principal tema dos ricos. Agora está
todo o mundo preocupado com o suicídio do planeta.
Repete-se, um pouco, o que acontece na arte há anos: uma
vanguarda visionária primeiro é combatida e ridicularizada
como coisa de loucos e depois incorporada ao pensamento
dominante. Com a diferença que, se nunca demorou muito para o
capitalismo absorver e desfrutar todos os seus desafiantes e
hereges e transformar até um Che Guevara de revolucionário
em grife, a conversão dos fatiotas de Davos à causa
ambientalista pode ter vindo tarde demais.
Se tivessem ouvido e adotado os cabeludos há mais tempo o
planeta ainda poderia ser salvo.
Como na arte, as esquisitices de hoje podem ser o
caminho de amanhã. Nada
parece mais excêntrico, na vigência do atual
pensamento econômico único, do que um pensamento divergente
do dogma. Mas as esquisitices proliferam, mesmo no Brasil,
onde o pensamento único era tão forte que até o PT tinha se
resignado à sua inevitabilidade. Leia o Kupfer, leia o
Pochmann, leia o Belluzzo, leia até o Bresser-Pereira e o
Ricupero - só para ficar nos excêntricos nacionais com
credenciais suficientes para desafiar a empáfia ortodoxa.
Países excêntricos como a Malásia e a Argentina de Kirchner
estão mostrando
que heresias contra o dogma não causam tempestade de
enxofre. Talvez em
Davos já tenham se dado conta que o importante do que
acontece na América do Sul hoje não é o neopopulismo, o
neo-indigenismo ou as bravatas de Hugo Chaves, o Fidel Castro
com petróleo.
É o fim de um modelo que pifou. Importante não é o que está
começando, que nem bem se definiu ainda. É o que está
acabando.
O pensamento único ainda resiste à realidade e predomina,
pelo menos entre as teses, mas está a caminho de se tornar,
ele sim, uma excentricidade. No Brasil, fora os
fundamentalistas do mercado ninguém está combatendo o novo
intervencionismo do governo Lula por razões ideológicas. A
maior crítica que se ouve ao pact-PAC é a de intervenção
insuficiente.
Há, portanto, conversões em curso. Como na questão ecológica,
os resultados do milagre levarão algum tempo para aparecer. Não
espere ver o Bush abraçando árvore e se manifestando pelas
baleias nem o PFL defendendo a renacionalização da Vale num
futuro próximo, mas pelo menos a empáfia diminuiu.
Dizem que o Fórum Social está acabando. É uma pena. Deveria
ser mantido por Davos como uma espécie de mafuá de arrabalde
onde os ricos fossem procurar idéias adaptáveis e heresias
aproveitáveis, e ouvir das videntes o futuro da sua raça.
Luís Fernando
Verissimo é escritor e cronista.
O Globo, O Estado de SP e outros jornais, 1º/2